PEÇA PRÁTICA
Leia com atenção o caso concreto a seguir:
Jane, no dia 18 de outubro de 2010, na cidade de Cuiabá – MT, subtraiu
veículo automotor de propriedade de Gabriela. Tal subtração ocorreu no momento
em que a vítima saltou do carro para buscar um pertence que havia esquecido em
casa, deixando-o aberto e com a chave na ignição. Jane, ao ver tal situação,
aproveitou-se e subtraiu o bem, com o intuito de revendê-lo no Paraguai.
Imediatamente, a vítima chamou a polícia e esta empreendeu perseguição
ininterrupta, tendo prendido Jane em flagrante somente no dia seguinte,
exatamente quando esta tentava cruzar a fronteira para negociar a venda do bem,
que estava guardado em local não revelado. Em 30 de outubro de 2010, a denúncia
foi recebida. No curso do processo, as testemunhas arroladas afirmaram que a ré
estava, realmente, negociando a venda do bem no país vizinho e que havia um comprador,
terceiro de boa-fé arrolado como testemunha, o qual, em suas declarações,
ratificou os fatos. Também ficou apurado que Jane possuía maus antecedentes e
reincidente específica nesse tipo de crime, bem como que Gabriela havia morrido
no dia seguinte à subtração, vítima de enfarte sofrido logo após os fatos, já
que o veículo era essencial à sua subsistência. A ré confessou o crime em seu
interrogatório. Ao cabo da instrução criminal, a ré foi condenada a cinco anos
de reclusão no regime inicial fechado para cumprimento da pena privativa de
liberdade, tendo sido levada em consideração a confissão, a reincidência
específica, os maus antecedentes e as consequências do crime, quais sejam, a
morte da vítima e os danos decorrentes da subtração de bem essencial à sua
subsistência. A condenação transitou definitivamente em julgado, e a ré iniciou
o cumprimento da pena em 10 de novembro de 2012. No dia 5 de março de 2013,
você, já na condição de advogado(a) de Jane, recebe em seu escritório a mãe de
Jane, acompanhada de Gabriel, único parente vivo da vítima, que se identificou
como sendo filho desta. Ele informou
que, no dia 27 de outubro de 2010, Jane, acolhendo os conselhos
maternos, lhe telefonou, indicando o local onde o veículo estava escondido. O
filho da vítima, nunca mencionado no processo, informou que no mesmo dia do
telefonema, foi ao local e pegou o veículo de volta, sem nenhum embaraço, bem
como que tal veículo estava em seu poder desde então. Com base somente nas
informações de que dispõe e nas que podem ser inferidas pelo caso concreto
acima, redija a peça cabível, excluindo a possibilidade de impetração de Habeas
Corpus, sustentando, para tanto, as teses jurídicas pertinentes.
Dados do problema-
-Crime de furto- artigo 155 do CP, consumado, pois já tinha a posse
tranquila do bem.
-O fato da autora do fato ter a intenção de vender o carro no Paraguai-
a qualificadora do § 5º do artigo 155 do CP se aplica no caso.
-o flagrante foi legal, pois houve perseguição ininterrupta, conforme
dispõe o artigo 290, § 1º do CPP.
-em 30 de outubro de 2010 a denúncia foi recebida.
-as testemunhas ouvidas ratificaram o fato da autora do fato estar
tentando vender o carro no exterior
-ficou apurado que a autora do fato tem maus antecedentes e é
reincidente específica nesse crime;
- a autora do fato confessou o fato o que já determina a atenuante
prevista no artigo 65, III, d do CP.
- a vítima faleceu;
- a autora do fato foi condenada a 5 anos de reclusão em regime
fechado. Diz que foi levado em consideração a confissão, a morte da vítima e as
consequências danosas em razão do carro não ter sido encontrado,
- a sentença condenatória transitou em julgado e em 10 de novembro de
2012 a autora do fato começou a cumprir pena. (não há que se preocupar com a
data até agora, pois não há como alegar a prescrição retroativa, pois o prazo é
de 12 anos, conforme artigo 109, III do CP).
-neste ano você como advogado recebe em seu escritório a mãe da
acusada e o filho da vítima (único parente vivo da vítima) que alegou que antes
da denúncia ser recebida a autora do fato telefonou, voluntariamente, para a
vítima informando em que local se encontrava o carro e que esta pegou o carro de volta. Portanto, percebe-se
que o carro foi devolvido para a vítima, esta faleceu não pelo fato do carro
não ter sido encontrado...o que já determina a redução de pena de um a dois terços,
conforme o artigo 16 do CP e a desclassificação do furto qualificado para o
furto simples.
-trabalhando com a proporcionalidade das penas aplicadas, se o crime
deixou de ser qualificado e passou a ser simples, a pena em tese deveria ser de
três anos, e aplicando a diminuição do arrependimento posterior e diminuindo no
mímino (1/3) a pena passaria a ser de 1 ano. Não dava para trabalhar a
prescrição retroativa, pois o fato ocorreu após a mudança do artigo 109 do CP;
mas o regime passa a ser o aberto; não cabendo a substituição em restritivas de
direitos, conforme §3º do artigo 44 do CP.
-como já houve o trânsito em julgado a única peça possível é a REVISÃO
CRIMINAL, conforme artigo 621, III do CPP.
-deve-se lembrar que a REVISÃO CRIMINAL é uma ação de impugnação, e
como esta deve haver a qualificação do autor, a descrição do fato que enseja a
revisão criminal e o pedido. Lembrando que, a revisão criminal deve ser endereçada
ao Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso.
QUESTÃO 1
O Ministério Público, tomando conhecimento da prática de falta grave
no curso de execução penal, pugna pela interrupção da contagem do prazo para
efeitos de concessão do benefício do livramento condicional, fundamentando seu
pleito em interpretação sistemática do Art. 83, do CP, e dos artigos 112 e 118,
I, ambos da Lei n. 7.210/84. Levando em conta apenas os dados contidos no
enunciado, com base nos princípios do processo penal e no entendimento mais
recente dos Tribunais Superiores, responda à seguinte questão, de forma
fundamentada: O Ministério Público está com a razão? (Valor: 1,25) A simples
menção ou transcrição do dispositivo legal não pontua.
De forma alguma. A pena deve ser cumprida de forma progressiva. A
regressão de regime (fechado, semiaberto e aberto) pode ocorrer nos casos do
artigo 118 da LEP. Os artigos 83 do CP (que trata do livramento condicional) e
o artigo 112 da LEP (que trata da progressão de regime) não possibilitam esta
“interpretação sistemática”, pois uma interpretação sistemática e
constitucional não autorizam uma interpretação em prejuízo do acusado. Também
não cabe aqui falar em analogia, até porque não há analogia in malam partem no
Direito Penal e, EM NENHUM MOMENTO PODE HAVER A INTERRUPÇÃO DO PRAZO DA
CONTAGEM DA PENA PARA EFEITO DE LIVRAMENTO CONDICIONAL. O QUE PODE OCORRER NO
CASO DE FALTA GRAVE É A PERDA DE ATÉ 1/3 DOS DIAS REMIDOS (CONFORME ARTIGO 127
DA LEP) E REGRESSÃO DE REGIME, CONFORME O ARTIGO 118 DA MESMA LEI. NÃO SE PODE
CONFUNDIR PERÍODO DE PROVA DO LIVRAMENTO CONDICIONAL QUE SOMENTE PODERÁ E/OU
DEVERÁ SER REVOGADO SOMENTE NOS CASOS ELENCADOS NOS ARTIGOS 86 E 87 DO CP; TUDO
EM RAZÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.
QUESTÃO 2
Maria, mulher solteira de 40 anos, mora no Bairro Paciência, na cidade
Esperança. Por conta de seu comportamento, Maria sempre foi alvo de comentários
maldosos por parte dos vizinhos; alguns até chegavam a afirmar que ela tinha
“cara de quem cometeu crime”. Não obstante tais comentários, nunca houve prova
de qualquer das histórias contadas, mas o fato é que Maria é pessoa conhecida
na localidade onde mora por ter má-índole, já que sempre arruma brigas e
inimizades. Certo dia, com raiva de sua vizinha Josefa, Maria resolve quebrar a
janela da residência desta. Para tanto, espera chegar a hora em que sabia que
Josefa não estaria em casa e, após olhar em volta para ter certeza de que
ninguém a observava, Maria arremessa com força, na direção da casa da vizinha,
um enorme tijolo. Ocorre que Josefa, naquele dia, não havia saído de casa e o
tijolo após quebrar a vidraça, atinge também sua nuca. Josefa falece
instantaneamente. Nesse sentido, tendo por base apenas as informações descritas
no enunciado, responda justificadamente: É correto afirmar que Maria deve
responder por homicídio doloso consumado? (Valor: 1,25) A simples menção ou
transcrição do dispositivo legal não pontua.
Apesar da má fama de Maria isso não pode ser levado em consideração
para a tipificação ou majoração de alguma pena, porquanto o Direito Penal
trabalha com a primariedade/reincidência; bons e maus antecedentes. Essa
conduta social somente poderia ser levada em consideração no que se refere à
dosimetria de pena, conforme o artigo 59 do CP.
Maria não pode responder pelo crime de homicídio doloso consumado pois
não houve dolo por parte da mesma, nem mesmo eventual. Além disso, a sua
conduta se subsume ao disposto no artigo 74 do CP, pois houve resultado diverso
do pretendido. Como houve o resultado desejado (dolo-dano-artigo 163 do CP) e
resultado não desejado (morte-culpa-artigo 121, §3º do CP), Maria responderá
por dano em concurso formal com o homicídio culposo.
QUESTÃO 3
José, conhecido em seu bairro por vender entorpecentes, resolve viajar
para Foz do Iguaçu (PR). Em sua bagagem, José transporta 500g de cocaína e 50
ampolas de cloreto de etila. Em Foz do Iguaçu, José foi preso em flagrante pela
Polícia Militar em virtude do transporte das substâncias entorpecentes. Na
lavratura do flagrante, José afirma que seu objetivo era transportar a droga
até a cidade de Porto Vera Cruz (RS), mencionando, inclusive, a passagem de
avião que já havia comprado. Você é contratado para efetuar um pedido de
liberdade provisória e o que mais entender de Direito em favor de José. Atento
somente ao que foi narrado na hipótese acima, responda, fundamentadamente, aos
itens a seguir: A) O órgão competente para julgamento é a Justiça Estadual ou a
Justiça Federal? Justifique. (Valor: 0,75)
B) Se José objetivasse apenas traficar drogas em Foz do Iguaçu, o
órgão competente seria o mesmo do respondido no item A? Justifique. (Valor:
0,50) A simples menção ou transcrição do dispositivo legal não pontua.
a)
O processo compete
à Justiça Estadual em razão do disposto na Lei 11343/06, artigo 70, súmula 522
do STF e pela leitura do artigo 109 da CF, que determina a competência residual
da Justiça Estadual (competência material e absoluta) em razão da ausência de
dispositivo deste teor neste artigo 109 da CF.
b)
Sim, em razão do
disposto na súmula 522 do STF em consonância com o artigo 109 da CF.
QUESTÃO 4
Erika e Ana Paula, jovens universitárias, resolvem passar o dia em uma
praia paradisíaca, de difícil acesso (feito através de uma trilha), bastante
deserta e isolada, tão isolada que não há qualquer estabelecimento comercial no
local e nem mesmo sinal de telefonia celular. As jovens chegam bastante cedo e,
ao chegarem, percebem que, além delas, há somente um salva-vidas na praia. Ana
Paula decide dar um mergulho no mar, que estava bastante calmo naquele dia.
Erika, por sua vez, sem saber nadar, decide puxar assunto com o salva-vidas,
Wilson, pois o achou muito bonito. Durante a conversa, Erika e Wilson percebem
que têm vários interesses em comum e ficam encantados um pelo outro. Ocorre
que, nesse intervalo de tempo, Wilson percebe que Ana Paula está se afogando.
Instigado por Erika, Wilson decide não efetuar o salvamento, que era
perfeitamente possível. Ana Paula, então, acaba morrendo
afogada. Nesse sentido, atento apenas ao caso narrado e respondendo de
forma fundamentada, indique a responsabilidade jurídico-penal de Erika e
Wilson. (Valor: 1,25). A simples menção ou transcrição do dispositivo legal não
pontua.
Wilson-
como tinha a posição de garante (artigo 13, § 2º, a, do CP) irá responder pelo
resultado. Entendo que pelo fato de poder salvar Ana Paula, pois o problema diz
que era perfeitamente possível o mesmo responderá por homicídio, mas a sua
conduta deixa de ser omissiva imprópria e passa a ser omissiva própria. Não
afasta o dolo.
Érika-
Pela teoria restritiva- como instigou Wilson responderá como partícipe do fato
do homicídio. Considerando a teoria do domínio do fato (entendo que Érika tinha
o domínio do fato), a mesma responderá como coautora do homicídio doloso
consumado de forma omissiva própria, conforme o disposto no artigo 121, §2º, II
do CP. A futilidade se caracteriza pela vontade de não salvar Ana Paula para
poderem conversar já que um estava encantado pelo outro.