A notícia do encaminhamento perante a Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados da PEC 33 realmente assusta. Querem
calar o Supremo. Querem calar a Justiça.
Coincidência
ou não esta semana estava conversando com alunos do Curso de Direito acerca do
importante papel desenvolvido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) com o
ativismo judicial. Um aluno me perguntou se realmente o ativismo é bom; se isso
não tirava a legitimidade da Casa eleita pelo povo.
Respondi que
infelizmente o nosso Legislativo deseja agradar a maioria visando votos e que
os direitos das minorias não estavam sendo protegidos nem mesmo sendo assunto
de deliberações entre eles, pois nem todo assunto que envolve as minorias o
Legislativo tem peito de enfrentar os lobbys ou mesmo de desagradar a maioria
leiga em matéria constitucional.
Vários
direitos e garantias previstos na Constituição e que precisam de Lei
regulamentadora para dar-lhes efetividade até hoje não foram criadas pelo
legislador brasileiro. Por isso, o STF que possui a função de guardião da
Constituição supre a omissão, grandiosa e histórica, do legislador e
regulamenta esses direitos através de suas decisões.
As recentes
e polêmicas decisões do STF envolvendo direitos de minorias segregadas no
Brasil (inclusive pelo legislador) demonstram que essa “intromissão” (expressão
do Deputado Nazareno Fonteles) do STF caracteriza o verdadeiro exercício da
democracia prevista na Constituição de 1988.
Na verdade,
percebe-se que o interesse do legislador é de agradar a maioria votante, que é
leiga, e defender os seus próprios interesses pessoais. Sem perder o foco da
realidade, o interesse do STF ao decidir incidentalmente ou abstratamente
acerca da inconstitucionalidade de uma norma, com redução do texto ou não, ou,
somente para dar a interpretação conforme à Constituição é de garantir os
direitos da minorias segregadas e, com isso guardar a Constituição, que prevê como
princípio estruturante a Dignidade da pessoa humana, antes de tudo.
Essa “intromissão”
é na verdade o exercício e garantia da democracia, pois esta não é concretizada
somente pelo voto da maioria, mas sim, pela providência estatal de garantir
direitos constitucionais.
Essa “intromissão”
é na verdade o ativismo judicial, expediente encontrado pelo STF de garantir a
aplicação da Constituição, pois os eleitos pela maioria não se preocupam pelos
direitos da minoria segregada.
Exemplos mais
recentes podem ser citados deste ativismo judicial:
-para tentar agradar a maioria que entende que a prisão é a
solução para a criminalidade (e não o investimento em educação e outros
aspectos sociais pelo Estado), o legislador utiliza do simbolismo penal
(expressão de Zaffaroni) para dar esta
falsa sensação de segurança e satisfação da maioria. A Lei dos crimes Hediondos
modificada em 2007 é exemplo disso, pois após o STF possibilitar a progressão
de regime através do HC 82959, o legislador (legitimamente colocado pela
maioria para legislar para a maioria e minoria segregadas) cria novas formas e
regras para a progressão de regime (mais severas) e dispõe que a pena deverá
ser cumprida inicialmente em regime fechado, independentemente da pena
aplicada. Isto também já foi revisto pelo STF, mesmo que incidentalmente,
através do HC 11840; em razão do princípio constitucional (norma cogente) da
proporcionalidade.
-com relação ao aborto de anencéfalos, o STF novamente
(apesar de não ser através de uma ADI, mas sim por uma ADPF) deu aplicação
constitucional a um direito (DIGNIDADE HUMANA E NÃO APLICAÇÃO DA TORTURA) não
regulamentado, nem mesmo pelo legislador no artigo 128 do CP; talvez por não
querer enfrentar o lobby das Igrejas.
- a união homoafetiva que nunca foi tratada pelo legislador. O
STF, mais uma vez, decidiu a favor de uma minoria segregada em razão do
princípio da igualdade.
- para finalizar o pequeno rol de exemplos, tem-se a
declaração de inconstitucionalidade pelo STF do artigo 84 do CPP, em uma
tentativa frustrada de ressuscitar a súmula 394 do STF, para garantir o foro
por prerrogativa de função à pessoa que não exerça mais essa função, dando a
esse instituto a verdadeira característica de privilégio.
Deste modo,
quando a PEC 33 dispõe que somente pelo voto de quatro quintos dos seus membros
é que os Tribunais poderão declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato
normativo; que a declaração de inconstitucionalidade somente terá eficácia após
a manifestação favorável de três quintos dos membros do Congresso Nacional, e,
caso haja manifestação contrária, o assunto deverá ser apreciado através de uma
consulta popular (que nem sempre refletirá os anseios da minoria segregada).
O que está
se propondo é uma verdadeira afronta ao princípio da separação dos Poderes
(funções estatais), pois quando o STF utiliza do ativismo judicial está protegendo
a Constituição; se o Congresso vetar decisões do STF estará dizimando o
Constituinte originário.