AS
CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS CASO O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL TIVESSE NEGADO OS
EMBARGOS INFRINGENTES PARA A AÇÃO PENAL Nº 470.
Aline Seabra Toschi. Mestre em
Direito (Ciências Penais) pela UFG. Professora e supervisora do estágio do Centro
Universitário de Anápolis.
Prevaleceu o bom
senso jurídico (e não político) no caso da aceitação dos embargos infringentes
no mensalão. Parafraseando o “novato” (como disse o Ministro Marco Aurélio)
Ministro Luis Roberto Barroso, o direito de 11, o princípio da
proporcionalidade não foram atropelados pelo interesse de milhões, na sua
maioria leiga em matéria jurídica, uma minoria conhecedora da matéria jurídica,
e por conveniência política (época do “gigante acordou”) estão ávidos de uma
punição para os “corruptos” do caso mensalão.
Não se defende aqui a impunidade para os que realmente
praticaram os atos, mas sim, a aplicação correta e proporcional da Lei 8038/90
em consonância com o princípio da proporcionalidade (proibição de excesso por
parte do Estado e proibição de omissão por parte do Estado na efetivação dos
Direitos Fundamentais).
Pois bem. A Lei nº
8038/90 trata das normas procedimentais dos processos perante o Superior
Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.
Não há dispositivo nesta Lei que trata dos embargos de
declaração, dos embargos infringentes e do Recurso Ordinário para o Supremo
Tribunal Federal.
O Código de Processo Penal, anterior à Lei nº 8038/90,
prevê os embargos de declaração, os embargos infringentes e a Constituição
Federal prevê o cabimento do Recurso Ordinário Constitucional para o Superior
Tribunal de Justiça para o Supremo Tribunal Federal.
O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, com
redação atualizada em 2013, prevê os embargos de declaração, os embargos
infringentes e o Recurso Ordinário Constitucional, respectivamente, em seus
artigos 310, 334 e 337.
O argumento dos Ministros contrários ao cabimento dos
embargos infringentes é que, apesar de previstos no Código de Processo Penal e
no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal este Recurso não foi
contemplado em uma Lei específica que trata dos procedimentos processuais
perante o Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça e, por isso,
não podem ser aplicados perante o Tribunal.
Ora, esse mesmo
argumento não foi utilizado quando dos inúmeros julgamentos de embargos de
declaração (como, por exemplo, ARE 692228 AgR-ED / MG - MINAS GERAIS ; Rcl 9324
ED-ED / SP - SÃO PAULO; HC 96694 AgR-ED / SP - SÃO PAULO ) pelo
Supremo Tribunal Federal que se encontram na mesma situação jurídica (têm
previsão no Código de Processo Penal, no Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal, mas não estão contemplados na Lei nº 8038/90).
Dispõe o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF),
em seus artigos 334 e 337:
Art. 334 do RISTF. Os embargos de divergência e os
embargos infringentes serão opostos no prazo de quinze dias, perante a
Secretaria, e juntos aos autos, independente-
mente de despacho.
Art. 337 do RISTF. Cabem embargos de declaração,
quando houver no acórdão obscu-
ridade, dúvida, contradição ou omissão que devam
ser sanadas.
Já o Código de Processo Penal (CPP) dispõe em seu artigo
619 sobre os embargos de declaração:
Art. 619 do CPP. Aos acórdãos proferidos pelos Tribunais de
Apelação, câmaras ou turmas, poderão ser opostos embargos de declaração, no
prazo de dois dias contados da sua publicação, quando houver na sentença
ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão.
A diferença de tratamento desses dois recursos para os
Ministros do Supremo Tribunal Federal que eram contrários à aceitação dos
embargos infringentes se pautava numa necessidade de resposta (política e não
jurídica) para a sociedade. Mas não é isso que se baseia a Justiça (como
jurisdição); que é muito diferente da expressão “fazer justiça”.
A Justiça como jurisdição exige a aplicação da
proporcionalidade nos embargos infringentes, como assim fez os Ministros que
votaram favoravelmente aos embargos infringentes, pois não se pode utilizar
dois pesos e duas medidas para dois recursos que se encontram na mesma condição
jurídica (como já dito acima).
Caso
o Supremo Tribunal Federal tivesse votado pela não aceitação dos embargos
infringentes, além da desproporcionalidade da medida, todas as demais decisões
oriundas desse Tribunal que fossem eivadas de obscuridade, contradição, omissão
e/ou ambiguidade não poderiam mais ser revistas, pois regra é regra; se a Lei
nº 8038/90 não previu os embargos de declaração (a despeito do artigo 619 do CPP
e artigo 337 do RISTF), esses também não podem mais serem manejados perante
esse mesmo Tribunal.
Se regra é regra a situação do Recurso Ordinário
Constitucional para o Supremo Tribunal Federal é mais delicada.
A Constituição Federal dispõe em seu artigo 102, II o
cabimento do Recurso Ordinário Constitucional para o Supremo Tribunal Federal.
Art. 102. Compete
ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,
cabendo-lhe: I-omissis;II- julgar, em recurso ordinário:a)
o "habeas-corpus", o mandado de segurança, o "habeas-data"
e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais
Superiores, se denegatória a decisão;b) o crime político.
Já
o RISTF Supremo Tribunal Federal prevê o cabimento do Recurso Ordinário
Constitucional do artigo 310:
Art. 310. DO RISTF-O recurso ordinário para o
Tribunal, das decisões denegatórias de habeas corpus , será interposto no prazo
de cinco dias, nos próprios autos em que se houver proferido a decisão
recorrida, com as razões do pedido de reforma
Mas a Lei nº 8038/90 em nada dispõe acerca do Recurso
Ordinário Constitucional para o Supremo Tribunal Federal; somente para o
Superior Tribunal de Justiça:
Art. 30 - O recurso
ordinário para o Superior Tribunal de Justiça, das decisões denegatórias de
Habeas Corpus, proferidas pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais
dos Estados e do Distrito Federal, será interposto no prazo de cinco dias, com
as razões do pedido de reforma.
Art. 33 - O recurso
ordinário para o Superior Tribunal de Justiça, das decisões denegatórias de
mandado de segurança, proferidas em única instância pelos Tribunais Regionais
Federais ou pelos Tribunais de Estados e do Distrito Federal, será interposto
no prazo de quinze dias, com as razões do pedido de reforma.
Se
regra é regra, ou seja, se a Lei nº 8038/90 não dispõe acerca desse Recurso, a
despeito da Constituição Federal e do Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal prever o cabimento de tal, o mesmo não pode ser manejado perante o
Supremo Tribunal Federal.
Essa
afirmação pode causar espanto, pois se a Constituição é a Carta Magna, a Lei
Maior, não há que se discutir acerca do cabimento ou não deste Recurso.
Ocorre
que a Constituição Federal não previu o prazo e outras regras específicas deste
Recurso, cabendo tal determinação para uma Lei.
Deste
modo, as tratativas acerca do Recurso Ordinário Constitucional vieram através
de uma Lei Ordinária que não previu o cabimento do Recurso Ordinário para o
Supremo Tribunal Federal, mas somente para o Superior Tribunal de Justiça.
Na
contramão do rigor exigido, o próprio Supremo Tribunal Federal editou a súmula 319
que estipulou o prazo para que o Recurso Ordinário Constitucional fosse
interposto perante o Supremo Tribunal Federal; ou seja, a tratativa do prazo
não veio através de Lei Ordinária, mas sim de uma súmula.
Súmula 319 do STF. O
prazo do Recurso Ordinário para o Supremo Tribunal Federal, em “Habeas Corpus”
ou Mandado de Segurança, é de cinco dias.
Assim,
se regra é regra, tanto os embargos infringentes, os embargos de declaração e o
Recurso Ordinário Constitucional não poderiam mais ser manejados perante o
Supremo Tribunal Federal.
Por isso, o bom senso jurídico da decisão tomada pelo
Supremo Tribunal Federal.
Referências
Bibliográficas.
BRASIL.
Supremo Tribunal Federal (STF). Regimento Interno: [atualizado até maio de 2013]
– consolidado e atualizado até maio de 2002 por Eugênia Vitória Ribas. Brasília:
STF, 2012.
VADE MECUM. Obra coletiva
de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes
e Juliana NNicoletti. 10ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013.