Lei do Abate e Justiça Militar
http://jus.com.br/revista/texto/20350
Publicado em 11/2011
Os conceitos de espírito
emulatório, abuso de poder de excesso de poder e a validade da lei nº
12.432, de 2011, sem adaptação no CPPM, poderão ser objeto de estudo e
análise pela doutrina jusmilitar, pelo Colendo STM e pelo Excelso STF,
ao ventilar questões como o direito à vida, competência do Tribunal do
Júri, pena de morte (artigo 5º da Constituição Cidadã).
Sumário. 1. Introdução 2. A regra nova. 3. A Lei do
Abate ou do Tiro de Destruição. 4. Aspectos jurídicos da Lei do Abate. 5. A
esquecida. 6. Conclusão.
1. Introdução
Recentemente (30 de junho passado próximo) foi publicada a
lei federal n. 12.432, de 29 de junho de 2011, que altera o Código Penal
Militar especificamente em relação aos crimes militares em tempo de paz
(artigo 9º). Busca trazer à Justiça Militar da União a competência para
apreciar e julgar crimes dolosos contra a vida em ações militares baseadas na
Lei do Abate ou do Tiro de Destruição, regulamentada pelo decreto federal n.
5.144, de 16 de julho de 2004. São ações da Aeronáutica que visam a coibir o
tráfico de drogas por meio de aeronaves, principalmente na Amazônia.
Ainda, o decreto federal n. 5.129, de 6 de julho de 2004, que
trata da Patrulha Naval, cuida de ações militares semelhantes.
2. A regra nova
Até o advento da lei federal n. 12.432, de 2011, as
competências da Justiça Militar da União radicavam no artigo 124 da
Constituição Federal de 1988:
"Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei."
"Parágrafo único. A lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a competência da Justiça Militar."
A referida lei é o Código Penal Militar (CPM), decreto-lei
nº 1.001, de 21 de outubro de 1969, que dispõe sobre os crimes militares em
tempo de paz (artigos 9º, 136 a 354) e em tempos de guerra (artigos 10, 355 a
408).
Ensina o excelente jurista Jorge César de Assis [01]
que crime militar "é toda violação acentuada ao dever militar e aos
valores das instituições militares." Ainda [02], "no
aspecto analítico, define-se crime como a ação típica, antijurídica e
culpável."
Os crimes em tempo de guerra, além da decretação de guerra
pelo Presidente da República (art. 84, inciso XIX, da Carta Magna) e da
autorização do Congresso Nacional (art. 49, inciso II, da Carta Política),
estão delimitados pelo artigo 10, CPM:
"Art. 10. Consideram-se crimes militares, em tempo de guerra:"
"I - os especialmente previstos neste Código para o tempo de guerra;"
"II - os crimes militares previstos para o tempo de paz;"
"III - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum ou especial, quando praticados, qualquer que seja o agente:"
"a) em território nacional, ou estrangeiro, militarmente ocupado;"
"b) em qualquer lugar, se comprometem ou podem comprometer a preparação, a eficiência ou as operações militares ou, de qualquer outra forma, atentam contra a segurança externa do País ou podem expô-la a perigo;"
"IV - os crimes definidos na lei penal comum ou especial, embora não previstos neste Código, quando praticados em zona de efetivas operações militares ou em território estrangeiro, militarmente ocupado."
Além disso, o tempo de guerra é estabelecido pelo art. 15,
CPM ("O tempo de guerra, para os efeitos da aplicação da lei penal
militar, começa com a declaração ou o reconhecimento do estado de guerra, ou
com o decreto de mobilização se nele estiver compreendido aquele
reconhecimento; e termina quando ordenada a cessação das hostilidades."
De extremo rigor, pode sujeitar o condenado a penas sensivelmente altas, à pena
de morte por fuzilamento (arts. 55, "a", 56, 57, 81, § 2º, todos do
CPM e arts. 707 e 708, do CPPM [03]), sem suspensão condicional da
pena nem livramento condicional (arts. 88, I, e 96, ambos do CPM).
Estes ilícitos, praticados em teatro de operações
militares ou em território estrangeiro, militarmente ocupados por forças
brasileiras são apreciados e julgados pelos Conselhos Superiores de Justiça
Militar, Conselhos de Justiça Militar, os Juízes-Auditores (arts. 89, 95 a 97
da lei federal nº 8.457, de 04 de setembro de 1992).
Paralelamente, os crimes militares em tempo de paz são
delimitados pelo artigo 9º, CPM, modificado parcialmente pela lei federal nº
9.299, de 07 de agosto de 1996 (Lei Hélio Bicudo), principalmente o parágrafo
único:
"Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:"
"I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;"
"II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:"
"a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;"
"b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;"
"c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;"
"d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;"
"e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;"
"f) revogada."
"III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:"
"a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;"
"b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;"
"c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;"
"d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior."
"Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum."
Em comento a este artigo, brilha a pena do mestre José da
Silva Loureiro Neto [04]:
"A alínea f, que cuidava das hipóteses de uso de armamento como critério de definição de competência para o crime militar foi revogada com o advento do art. 1º da Lei nº 9.299/96. Logo, reduziu-se o espectro do que seja crime militar, pondo um fim nas muitas controvérsias existentes anteriormente, as quais ensejaram a Súmula 199 do então Tribunal Federal de Recursos, que dispõe: ‘Compete à Justiça Militar Estadual processar e julgar os crimes cometidos por policial militar, mediante o uso de arma da corporação, mesmo que se encontre no exercício de policiamento civil.’"
"A referida Lei (nº 9.299/96, § 1º) ainda acrescentou um parágrafo único ao art. 9º, estabelecendo que: ‘Os crimes de que trata este artigo, contra dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum.’"
"Desse modo, quis o legislador que o crime de homicídio contra civil praticado pelo militar fosse julgado pelo Tribunal do Júri, ficando, todavia, na Justiça Militar o homicídio inter militis."
Sobre a Lei Hélio Bicudo, o brilhante Jorge Cesar de Assis
[05] tece suas considerações:
"Preliminarmente há que se assentar que a Lei Federal 9.299, de 07.08.1996, trouxe as seguintes alterações ao Código Penal Militar: alterou a redação da letra ‘c’ do inc. II do art. 9º; revogou a letra ‘f’ do inc. II e acresceu o parágrafo único deslocando a competência, nos crimes dolosos contra a vida praticados por militares, da Justiça Militar para a Justiça Comum."
"Data venia, apesar de entendimentos opostos e de todo respeitados, consideramos as mudanças procedidas completamente incoerentes, além ser a própria Lei 9.299/96, inconstitucional..."
"Sobre a vigência da Lei 9.299, de 07.08.1996, o STJ já decidiu ser a mesma de aplicação imediata, abrangendo tanto os crimes praticados por militares federais como por militares estaduais ou do Distrito Federal."
A Lei Hélio Bicudo também alterou o CPPM em seu artigo 82,
alterando a redação do "caput", renumerando o parágrafo único em
§ 1º e incluindo o § 2º:
"Art. 82. O foro militar é especial, e, exceto nos crimes dolosos contra a vida praticados contra civil, a ele estão sujeitos, em tempo de paz:"
(...)
"Extensão do fôro militar"
"§ 1° O fôro militar se estenderá aos militares da reserva, aos reformados e aos civis, nos crimes contra a segurança nacional ou contra as instituições militares, como tais definidas em lei."
"§ 2° Nos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, a Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à justiça comum."
Ressalvado os crimes dolosos contra a vida de civil (art. 82,
"caput", CPPM), em relação aos integrantes das Forças Armadas e
civis, os crimes militares em tempo de paz são apreciados e julgados pelo
Superior Tribunal Militar (STM); e pelos Conselhos de Justiça,
Juízes-Auditores e Juízes-Auditores Substitutos nas doze Circunscrições
Judiciárias Militares (arts. 1º, 2º, 6º, 27 a 30, todos da lei federal nº
8.457, de 1992).
Em relação aos integrantes das polícias militares e
bombeiros militares dos Estados tem-se a competência da Justiça Militar dos
Estados (art. 125, § 4º, CF), sobre a qual o Professor Pedro Lenza comenta
peculiaridade [06]:
"E se o crime for praticado for de competência do júri?"
"Se a vítima for civil, a competência será do júri popular. No entanto, se a vítima for militar, o crime doloso contra a vida, praticado por outro militar estadual, continua sendo da Justiça Militar."
"Dessa maneira, a controvérsia sobre a constitucionalidade da Lei n. 9.299/96, que alterou o art. 9º do CPM e o art. 82 do CPPM, fixando a competência da Justiça comum, ao menos em relação aos militares estaduais, está resolvida."
Em grande maestria, Célio Lobão [07] prelaciona:
"A competência material diz respeito à natureza do litígio, à natureza da infração que constitui objeto do processo. A competência material da Justiça Militar, como um dos órgãos do Poder Judiciário, vem definida na Constituição, segundo a qual compete à Justiça Militar, federal e estadual, processar e julgar os crimes militares definidos em lei (arts. 124 e 125, § 4º). Lei ordinária incluiu no CPM a ressalva da competência do Júri, nos crimes dolosos contra a vida, cometidos por militar contra civil (art. 9º, p. ún., do CPM). Posteriormente, a ressalva da competência do Júri, no que se refere à Justiça Militar estadual, foi alçada a nível constitucional, através da EC 45/2004 que alterou o art. 125, § 4º, da CF."
Em relação à competência da Justiça Militar do Distrito
Federal e Territórios, mais uma vez, o douto jurista Pedro Lenza ensina
[08]:
"Na mesma linha das regras para os Estados-membros, o art. 36 da Lei n. 11.697/2008 estabelece que a Justiça Militar do Distrito Federal e dos Territórios será exercida pelo TJ em segundo grau e pelo Juiz Auditor e Conselhos de Justiça (Conselho Permanente de Justiça, para processar e julgar as Praças, e Conselho Especial de Justiça, para processar e julgar os Oficiais) em primeiro grau, tendo por competência o processo e o julgamento dos crimes militares, definidos em lei, praticados por Oficiais e Praças da Polícia Militar do Distrito Federal e do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal. Parece que, muito embora a EC n. 45/2004 tenha se referido (em relação às novidades) somente à Justiça Militar Estadual, as regras apresentadas também valerão para a Justiça Militar do DF e Territórios, apesar de organizada e mantida pela União."
Sobreveio a lei nº 12.432, de 2011, que alterou apenas a
redação do parágrafo único do artigo 9º do CPM:
"Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum, salvo quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303 da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica."
Como foi publicada [09] no dia seguinte ao da
sanção e há comando expresso de seu artigo 2º, esta lei passou a viger desde
30 de junho de 2011. Frise-se: o CPPM não foi alterado, em especial, o artigo
82.
Como consta da ementa da lei nº 12.432, de 2011 -
"Estabelece a competência da Justiça Militar para julgamento dos crimes
praticados no contexto do art. 303 da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 -
Código Brasileiro de Aeronáutica, alterando o parágrafo único do art. 9º do
Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 - Código Penal Militar" -
foram determinadas as situações:
1.crimes militares não dolosos contra a vida e
não cometidos contra civil: competência da
Justiça Militar (da União, dos Estados e do Distrito Federal) – exemplo:
recusa de função na Justiça Militar (artigo 340, CPM);
2.crimes militares dolosos contra a vida e não
cometidos contra civil: competência da Justiça Militar (da
União, dos Estados e do Distrito Federal) – exemplo: homicídio de soldado
(artigo 205, CPM);
3.crimes militares dolosos contra a vida e
cometidos contra civil: competência da Justiça Comum (Tribunal
do Júri) – exemplo: instigação e participação a suicídio (artigo 122 do
Código Penal);
4.crimes militares dolosos contra a vida e
cometidos contra civil no contexto de ação militar realizada na forma do
art. 303 da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de
Aeronáutica: competência da Justiça Militar (da União) – exemplo:
homicídio doloso de suposto traficante de drogas (artigo 205, CPM);
A quarta situação é a novidade e ressalva da terceira,
estabelecendo competência da Justiça Militar para ações militares realizadas
pela Força Aérea Brasileira (FAB) no contexto da Lei do Abate ou do Tiro de
Destruição, analisada adiante.
Oriunda do projeto de lei nº 218, de 26 de maio de 2009 (nº
6615, de 2009, na Câmara dos Deputados) do senador Magno Malta (PR-ES), a lei
nº 12.432, de 2011, teve como justificativa do legislador:
"Em termos claros, as modificações na norma permitiriam às autoridades nacionais abaterem aeronaves que violassem o espaço aéreo brasileiro, ainda que essas aeronaves não fossem militares e não representassem ameaça direta à Segurança Nacional."
"Sob regulamentação do Decreto nº 5.144, de 16 de julho de 2004, portanto, a Força Aérea Brasileira pode tomar medidas que conduzam mesmo ao abate da aeronave, resultando, muito provavelmente, na morte de seus ocupantes. Ora, nos termos da legislação vigente, o piloto estaria cometendo crime doloso contra a vida, devendo ser levado, por conseguinte, ao Tribunal do Júri."
"Não há que se falar em excludentes de ilicitude, atipicidade da conduta ou mesmo de exclusão de punibilidade para ações in abstrato."
"Ademais, qualquer modificação legislativa que estabeleça condições em que o autor do abate seja automaticamente excluído de qualquer punição não deve ser feita sem amplo debate envolvendo os diversos segmentos de nossa sociedade."
"Não obstante, parece-nos evidente que a conduta do militar que cumpre ordens e derruba aeronave civil considerada hostil não pode ser equiparada ao comportamento de alguém que cometa um homicídio comum, sujeitando-se ao Tribunal do Júri. Entendemos que cabe à Justiça castrense julgar aquela conduta, dadas as particularidades e o contexto da ação."
"Assim, vimos apresentar projeto que transfere à Justiça Militar a competência para julgar crime doloso contra a vida cometido por militar contra civil no contexto da "Lei do Tiro de Destruição"."
Resumindo, o fundamento [10] consiste em que:
"a Força Aérea Brasileira tem a prerrogativa de tomar medidas que conduzam ao abate de aeronave, o que pode resultar na morte de seus ocupantes. Segundo ele, a conduta do militar que cumpre ordens e derruba aeronave civil considerada hostil não pode ser equiparada ao comportamento de uma pessoa que comete um homicídio comum."
A respeito desta lei o Colendo Superior Tribunal Militar
[11], por intermédio de sua assessoria de imprensa, divulgou que: "A
nova lei ampliou a competência da Justiça Militar, que passará a julgar as
ações militares relacionadas à Lei do Abate, sempre que o procedimento
incorrer em crime."
O interessante é que essa lei derroga parcialmente a Lei
Hélio Bicudo, que estabelecia a competência do Tribunal do Júri para os
crimes dolosos contra a vida de civil (regra que permanece com a lei n. 12.432,
de 2011), não adapta o CPPM, mas ressalva para as ações militares
empreendidas sob o manto do artigo 303 da lei n. 7.565, de 19 de dezembro de
1986, Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA):
"Art. 303. A aeronave poderá ser detida por autoridades aeronáuticas, fazendárias ou da Polícia Federal, nos seguintes casos:"
"I - se voar no espaço aéreo brasileiro com infração das convenções ou atos internacionais, ou das autorizações para tal fim;"
"II - se, entrando no espaço aéreo brasileiro, desrespeitar a obrigatoriedade de pouso em aeroporto internacional;"
"III - para exame dos certificados e outros documentos indispensáveis;"
"IV - para verificação de sua carga no caso de restrição legal (artigo 21) ou de porte proibido de equipamento (parágrafo único do artigo 21);"
"V - para averiguação de ilícito."
"§ 1° A autoridade aeronáutica poderá empregar os meios que julgar necessários para compelir a aeronave a efetuar o pouso no aeródromo que lhe for indicado."
"§ 2° Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada."
"§ 3° A autoridade mencionada no § 1° responderá por seus atos quando agir com excesso de poder ou com espírito emulatório."
3. A Lei do Abate ou do Tiro de Destruição
O douto Engenheiro Aeronáutico Maurício Pazini Brandão
[12] analisa o caso do vôo KAL-007 em 1º de setembro de 1983, no auge da
Guerra Fria, em que o Boeing 747 da Korean Air Lines, de Nova Iorque a Seul, com
escala em Anchorage (Alasca), foi abatido por um caça Sukhoi Su-15 Flagon sobre
o Mar do Japão tendo sobrevoado espaço aéreo soviético. Sobretudo, traz
[13] importantes conceitos da Escola Superior de Guerra (ESG):
"(...) Nação é um grupo complexo, constituído por grupos sociais distintos que, em princípio, ocupando, um mesmo Espaço Territorial, compartilham da mesma evolução histórico-cultural e dos mesmos valores, movidos pela vontade de comungar um mesmo destino."
(...)
"Por outro lado, Poder Nacional é a ‘capacidade que tem o conjunto interagente dos homens e dos meios que constituem a Nação, atuando na conformidade com a vontade nacional, de alcançar e manter os Objetivos Nacionais.’ Esses Objetivos ‘são aqueles que a Nação busca satisfazer, em decorrência da identificação de necessidades, interesses e aspirações, em determinada fase de sua evolução histórico-cultural.’ Em outras palavras, o Poder Nacional é a ferramenta que o Estado possui para buscar a consecução dos Objetivos Nacionais."
(...)
"(...) Segundo a ESG, ‘Soberania é a manutenção da intangibilidade da Nação, assegurada a capacidade de autodeterminação e de convivência com as demais Nações em termos de igualdade de direitos, não aceitando qualquer forma de intervenção em seus assuntos internos, nem participação em atos dessa natureza em relação a outras Nações.’"
(...)
"A Soberania de um Estado estende-se ao seu território terrestre, às águas nacionais e ao espaço aéreo adjacente a ambos. Portanto, depreende-se, para o cidadão, como um dever do Estado como pessoa jurídica, monitorar e policiar o seu espaço aéreo, de forma que dele façam uso autorizado, conduzindo ações lícitas e seguras, tanto para aqueles que voam, quanto para aqueles que permanecem na superfície."
"Portanto, um Estado Soberano deve possuir capacidade de conduzir ações de controle sobre o seu espaço aéreo..."
Ainda [14],
"O monitoramento do espaço aéreo é a condição sine qua non para o seu controle. Para as atividades militares de defesa aérea, foi criado o Sistema de Defesa Aeroespacial (Sisdabra), ativado em 1980. Este Sistema tem como órgão central o Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (Comdabra), com sede em Brasília (DF), ativado em 1995. O Comdabra é um Comando Combinado, composto por militares das três Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica), tendo como Comandante um Major-Brigadeiro, Oficial-General de três estrelas da Fab."
"Como órgão central, o Comdabra recebe do Sisdabra informações em tempo real de todo e qualquer tráfego aéreo visualizado pelos radares do Sistema. Em caso de necessidade, o Comando pode mobilizar e lançar no mínimo tempo meios de defesa contra ameaças percebidas em seus radares. Esses meios podem ser aeronaves de caça, helicópteros ou baterias de artilharia antiaérea. Em tempos de paz, o Comdabra fica subordinado, dentro da estrutura do Comando da Aeronáutica, ao Comando-Geral de Operações Aéreas (Comgar). Em tempos de conflito, a subordinação do Comdabra é feita diretamente ao Presidente da República."
Sobretudo, assevera o douto Maurício Pazini Brandão
[15]:
"O Brasil tem sido historicamente um dos primeiros países do planeta a aderir e a ratificar os mais importantes tratados e acordos do Direito Aeronáutico Internacional. Começando pelas Convenções de Varsóvia em 1929 e de Chicago em 1944, mais uma vez o nosso país tornou-se signatário da Convenção da Aviação Civil Internacional de maio de 1994. Nessa Convenção, ficou definido que os Estados contratantes reconhecem que cada Estado deve evitar recorrer ao uso de armas contra aeronaves civis em voo e que, em caso de interceptação, as vidas das pessoas a bordo e a segurança da aeronave não podem ser postas em perigo..."
Com fulcro no "caput" do artigo 178 da
Constituição da República ("A lei disporá sobre a ordenação dos
transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do
transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o
princípio da reciprocidade"), com a redação dada pela emenda
constitucional nº 7, de 15 de agosto de 1995, o CBA foi alterado por norma
conhecida como Lei do Abate ou do Tiro de Destruição: a lei federal nº 9.614,
de 5 de março de 1998, para incluir hipótese destruição de aeronave:
"Art. 1º O art. 303 da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, passa a vigorar acrescido de um parágrafo, numerado como § 2º, renumerando-se o atual § 2º como § 3º, na forma seguinte:"
"Art. 303. ........................................................................................
........................................................................................................
§ 2º Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeito à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada.
§ 3º A autoridade mencionada no § 1º responderá por seus atos quando agir com excesso de poder ou com espírito emulatório."
Segundo a Força Aérea Brasileira [16], essa lei
instituiu novidades:
"A lei em questão introduziu conceitos novos, tornando-se necessária a definição das expressões meios coercitivos, aeronave hostil e medida de destruição. Ademais, passou a ser imprescindível que o novo dispositivo fosse aplicado dentro de uma moldura de rígidos preceitos de segurança, com o pleno esclarecimento dos procedimentos e das condições em que a medida de destruição poderia ser executada. Todos estes aspectos demandaram a necessidade de regulamentação do citado dispositivo legal, por intermédio de um decreto presidencial."
Publicada no dia seguinte e por força de seu art. 2º, a Lei
do Abate entrou em vigor nesta data, tendo como fundamento o § 1º do artigo
142 da Constituição da República ("Lei complementar estabelecerá as
normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das
Forças Armadas"), que foi regulamentado pelos artigos 16-A e 18, inciso
VII, da lei complementar federal nº 97, de 09 de junho de 1999, com a redação
dada pela lei complementar federal nº 136, de 25 de agosto de 2010:
"Art. 16-A. Cabe às Forças Armadas, além de outras ações pertinentes, também como atribuições subsidiárias, preservadas as competências exclusivas das polícias judiciárias, atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores, independentemente da posse, da propriedade, da finalidade ou de qualquer gravame que sobre ela recaia, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, executando, dentre outras, as ações de:"
"I - patrulhamento;"
"II - revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; e"
"III - prisões em flagrante delito."
"Parágrafo único. As Forças Armadas, ao zelar pela segurança pessoal das autoridades nacionais e estrangeiras em missões oficiais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, poderão exercer as ações previstas nos incisos II e III deste artigo."
"Art. 18. Cabe à Aeronáutica, como atribuições subsidiárias particulares:"
(...)
"VII - preservadas as competências exclusivas das polícias judiciárias, atuar, de maneira contínua e permanente, por meio das ações de controle do espaço aéreo brasileiro, contra todos os tipos de tráfego aéreo ilícito, com ênfase nos envolvidos no tráfico de drogas, armas, munições e passageiros ilegais, agindo em operação combinada com organismos de fiscalização competentes, aos quais caberá a tarefa de agir após a aterragem das aeronaves envolvidas em tráfego aéreo ilícito, podendo, na ausência destes, revistar pessoas, veículos terrestres, embarcações e aeronaves, bem como efetuar prisões em flagrante delito."
"Parágrafo único. Pela especificidade dessas atribuições, é da competência do Comandante da Aeronáutica o trato dos assuntos dispostos neste artigo, ficando designado como ‘Autoridade Aeronáutica Militar’, para esse fim."
No entanto, a Lei do Abate demorou para ser regulamentada
[17]:
"A partir de abril de 2003, um grupo de trabalho constituído por integrantes do Ministério da Defesa, do Ministério da Justiça, do Ministério das Relações Exteriores, do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e especialistas do Comando da Aeronáutica se reuniu com o objetivo de estudar todos os aspectos pertinentes à regulamentação da Lei do Tiro de Destruição, tais como procedimentos de interceptação aérea, normas internacionais da aviação civil, medidas de integração de procedimentos com os países vizinhos e legislação de países interessados no tema e que mantêm normas específicas sobre responsabilidade civil de seus cidadãos, quando estes tenham apoiado direta ou indiretamente a destruição de aeronave civil."
O então Ministro da Defesa José Viegas Filho [18]
asseverou:
"O governo está sinalizando claramente sua disposição em combater, com as armas adequadas, a invasão de nossas fronteiras por quadrilhas internacionais de narcotraficantes."
"Entretanto, em razão da falta de regulamentação da lei, as aeronaves de interceptação da FAB não tinham poder de dissuasão suficiente para ver obedecidas suas ordens de identificação e de pouso. A despeito de, em muitas situações, ter se chegado ao tiro de advertência, havia desobediência às ordens emitidas, caracterizando-se situação similar a da resistência à prisão."
Segundo a Câmara dos Deputados [19], as razões
dessa demora:
"Depois de quase vinte anos, desde a regulamentação do Código Brasileiro de Aeronáutica, entra em vigor, no próximo domingo, a Lei do Abate: conjunto de procedimentos de segurança que autorizam a derrubada de aeronaves suspeitas em espaço aéreo brasileiro. A medida visa a retirada do Brasil das rotas aéreas internacionais do tráfico de drogas. Só no ano passado, segundo informações do Comando da Força Aérea, em Brasília, cerca de quatro mil aeronaves invadiram e circularam o espaço aéreo brasileiro clandestinamente. A maioria dos casos foi registrado na Região Amazônica, onde, apesar da atuação do Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM), traficantes e contrabandistas insistem em afrontar os aviões da FAB. Em muitos casos, o clandestino simplesmente fecha as cortinas da aeronave e segue viagem, como se nada estivesse acontecendo. Sem mecanismos legais para agir em casos como este, restava aos pilotos da Aeronáutica acompanharem os aviões ilegais, até que eles deixassem o espaço aéreo brasileiro, sem tomar conhecimento, sequer, da carga transportada. Agora, com a entrada em vigor da Lei do Abate, a história será outra, espera o deputado Moroni Torgan, do PFL do Ceará."
"Sonora: ‘É algo com muita responsabilidade, de quem não quer, de forma nenhuma, que o contrabando de armas, as drogas, e outros tipos de delitos estejam acontecendo e, infelizmente, não temos armas nenhuma para detê-los.’
"O texto da Lei do Abate foi aprovado pelo Congresso em 1998 e esperou seis anos para ser regulamentado graças a pressões internacionais, principalmente por parte do governo dos Estados Unidos, que alegavam motivos econômicos para inibir a regulamentação da lei. Antes do "Tiro de Destruição", as esquadrilhas de reconhecimento e destruição, espalhadas em bases estratégicas do território nacional, terão que seguir roteiro composto por oito procedimentos, que vão da verificação da regularidade da aeronave, feita via rádio junto ao Departamento de Aviação Civil (DAC), até o disparo de tiros de advertência com munição luminosa. Medidas que, segundo o Comando da Força Aérea, são mais que suficientes para determinar as intenções do piloto. Só então, o comandante da Aeronáutica autoriza a derrubada do avião." (nossos destaques)
Decorridos seis anos, foi editado o decreto nº 5.144, de 16
de julho de 2004. Publicado em 19 de julho de 2004 e por força do artigo 12,
apenas entrou em vigor noventa dias após essa data, e desde então estabelece
os procedimentos a serem seguidos com relação a aeronaves hostis ou suspeitas
de tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins, levando em conta que
estas podem apresentar ameaça à segurança pública.
É considerada aeronave suspeita de tráfico de substâncias
entorpecentes e drogas afins aquela que se enquadre em uma das seguintes
situações: adentrar o território nacional, sem Plano de Vôo aprovado,
oriunda de regiões reconhecidamente fontes de produção ou distribuição de
drogas ilícitas; ou omitir aos órgãos de controle de tráfego aéreo
informações necessárias à sua identificação, ou não cumprir
determinações destes mesmos órgãos, se estiver cumprindo rota
presumivelmente utilizada para distribuição de drogas ilícitas (art. 2º).
As referidas aeronaves estarão sujeitas às medidas
coercitivas de averiguação, intervenção e persuasão, de forma progressiva e
sempre que a medida anterior não obtiver êxito, executadas por aeronaves de
interceptação, com o objetivo de compelir a aeronave suspeita a efetuar o
pouso em aeródromo que lhe for indicado e ser submetida a medidas de controle
no solo pelas autoridades policiais federais ou estaduais. Essas medidas de
averiguação visam a determinar ou a confirmar a identidade de uma aeronave,
ou, ainda, a vigiar o seu comportamento, consistindo na aproximação ostensiva
da aeronave de interceptação à aeronave interceptada, com a finalidade de
interrogá-la, por intermédio de comunicação via rádio ou sinais visuais, de
acordo com as regras de tráfego aéreo, de conhecimento obrigatório dos
aeronavegantes. Já as medidas de intervenção seguem-se às medidas de
averiguação e consistem na determinação à aeronave interceptada para que
modifique sua rota com o objetivo de forçar o seu pouso em aeródromo que lhe
for determinado, para ser submetida a medidas de controle no solo. Por fim, as
medidas de persuasão seguem-se às medidas de intervenção e consistem no
disparo de tiros de aviso, com munição traçante, pela aeronave interceptadora,
de maneira que possam ser observados pela tripulação da aeronave interceptada,
com o objetivo de persuadi-la a obedecer às ordens transmitidas (art. 3º).
A aeronave considerada hostil é aquela suspeita de tráfico
de substâncias entorpecentes e drogas afins que não atenda aos procedimentos
coercitivos descritos (averiguação, intervenção e persuasão) e estará
sujeita à medida de destruição (art. 4º).
Consoante os artigos 5º e 6º do decreto acima, a medida de
destruição consiste no disparo de tiros, feitos pela aeronave de
interceptação, com a finalidade de provocar danos e impedir o prosseguimento
do vôo da aeronave hostil e somente poderá ser utilizada como último recurso
e após o cumprimento de todos os procedimentos que previnam a perda de vidas
inocentes, no ar ou em terra. Deve obedecer às seguintes condições:
- emprego dos meios sob controle operacional do Comdabra;
- registro em gravação das comunicações ou imagens da
aplicação dos procedimentos;
- execução por pilotos e controladores de Defesa Aérea
qualificados, segundo os padrões estabelecidos pelo Comdabra;
- execução sobre áreas não densamente povoadas e
relacionadas com rotas presumivelmente utilizadas para o tráfico de
substâncias entorpecentes e drogas afins; e
- autorização do Presidente da República ou da autoridade
por ele delegada.
Conforme o artigo 10, esta autorização foi expressamente
delegada pelo Presidente da República ao Comandante da Aeronáutica. Consoante
o então Tenente Alessandro Silva [20],
"O disparo final irá ocorrer, conforme a lei, sobre áreas pouco povoadas e dentro de zonas utilizadas pelo tráfico de drogas. Os procedimentos envolvem a gravação de imagens das aeronaves, pelos pilotos, e o registro das conversas mantidas por rádio entre pilotos militares e civis."
Como o Comandante da Aeronáutica ostenta a patente de
oficial-general (art. 5º, "caput", da lei complementar federal nº
97, de 1999), o foro especial é o Colendo STM (artigo 6º, inciso I, alínea
"a", da lei federal nº 8.457, de 1992). Os demais oficiais, são
julgados em Conselho Especial de Justiça. Caso envolva apenas os demais
oficiais, estes serão julgados em Conselho Especial de Justiça; caso só
praças, serão julgados em Conselho Permanente de Justiça (artigo 27 da lei
federal nº 8.457, de 1992).
Segundo a Força Aérea Brasileira [21]:
"No total, são oito os procedimentos a serem seguidos pelas autoridades de defesa aérea para o policiamento do espaço aéreo. Somente quando transgredidos os sete procedimentos iniciais é que a aeronave será considerada hostil, e estará sujeitas à medida de destruição, que consiste na realização de disparo de tiros, feitos pela aeronave de interceptação, com a finalidade de provocar danos e impedir o prosseguimento do vôo da aeronave transgressora."
Situação da aeronave | Nível de medida | Procedimentos |
Normal | Situação de Normalidade | Verificação das condições de vôo da aeronave. |
Suspeita |
Medidas de Averiguação | 1) Reconhecimento a Distância; 2) Confirmação de Matrícula; 3) Contato por Rádio na Freqüência de Emergência; 4) Sinais Visuais. |
Medidas de Intervenção | 5) Mudança de rota; 6) Pouso Obrigatório. |
|
Medidas de Persuasão | 7) Tiros de Advertência. | |
Hostil | Medidas de Destruição | 8) Tiro de Destruição. |
Quadro – Passos da Execução
da Lei do Tiro de Destruição
Fonte: Força Aérea Brasileira www.fab.mil.br/portal/imprensa/Noticias/2004/NOTICIAS/3007_abate.htm
Os procedimentos de averiguação, intervenção e persuasão
deverão ser objeto de avaliação periódica, com vistas ao seu aprimoramento
(artigo 9º).
Com fundamento no princípio da publicidade ("caput"
do artigo 37 da Carta Magna), além da publicação do decreto no Diário
Oficial da União, o art. 7º obrigou que: "O teor deste Decreto deverá
ser divulgado, antes de sua vigência, por meio da Publicação de Informação
Aeronáutica (AIP Brasil), destinada aos aeronavegantes e de conhecimento
obrigatório para o exercício da atividade aérea no espaço aéreo
brasileiro."
Com espeque no artigo 11 do decreto, o Ministério da Defesa,
por intermédio do Comando da Aeronáutica, deveu adequar toda documentação
interna ao disposto no referido decreto. A interceptação de aeronave está
disciplinada no item 4.8 da ICA 100-12 "Regras do Ar e Serviços de
Tráfego Aéreo", com reedição aprovada pela portaria DECEA nº 05 /SDOP,
de 27 de fevereiro de 2009.
Ressalta-se da ICA 100-12 o seguinte:
"4.8.1 A interceptação de aeronaves civis será evitada e somente será utilizada como último recurso. Todavia, o Comando da Aeronáutica se reserva o direito de interceptar qualquer aeronave, a critério dos órgãos de defesa aérea ou das autoridades responsáveis pela execução das missões de defesa aeroespacial."
"NOTA: A palavra ''interceptação'', neste contexto, não inclui os serviços de interceptação e escolta proporcionados a uma aeronave em perigo, por solicitação, de conformidade com o Manual Internacional de Busca e Salvamento Aeronáutico e Marítimo (IAMSAR), Volumes II e III (DOC 9731 da OACI)." (nossos grifos)
Antes da regulamentação da Lei do Abate, os caças da FAB
apenas acompanhavam as aeronaves até que saíssem do território nacional, como
bem relata o então Tenente Alessandro Silva:
"Em 2002, a Força Aérea registrou 3.586 vôos desconhecidos nos céus do Brasil, quase dez vôos por dia. Desconhecido, pela terminologia, não significa ilícito, mas os que não apresentaram plano prévio de vôo, em desacordo com o que exige a lei. Um desses tráfegos ilustra bem o que disse o ministro. No dia 10 de julho de 2002, por volta das 10h30, caças T-27 Tucano interceptaram um avião monomotor Cessna 210 carregado de cocaína, que seguia do Mato Grosso, depois de entrar no país pela fronteira com o Paraguai, rumo a Jataí, em Goiânia-GO. Em um diálogo telefônico captado pela Polícia Federal, um homem acalma um piloto e o orienta a seguir com a carga de droga, pois os caças da FAB nada fariam com ele, a não ser fotografar sua aeronave:
-(Piloto):- O avião pegou "nóis", pai! O avião vai pegar "nóis" aqui!
-(Voz): - Abaixa o vidro e joga fora!
-(Piloto): - Eu estou a mil pés, "ta" quase chegando no chão e o avião está aqui do lado...
-(Voz): - Segura e joga fora!
-(Piloto): - Joga tudo fora?
-(Voz): - Joga tudo fora!
-(Piloto): - Vamos ver quanto tempo eles vão andar mais e, qualquer coisa, eu jogo fora.
-(Piloto, minutos depois): - Estão seguindo "nóis"...
-(Piloto): - É um Tucano.
-(Voz): - Pois é. Vem embora! Não vai derrubar. Ele não derruba. Vem embora direto que eles não derrubam. Só tiram fotos."
Na prática houve redução do tráfego de aeronaves em vôos
desconhecidos: 32,3% (de 3585 para 251) nos primeiros trinta dias da aplicação
da Lei do Abate ou do Tiro de Destruição, com fundamento nos dados da Comdabra
entre os dias 16 de janeiro e 16 de outubro e de 17 de outubro a 16 de novembro
de 2004 [22]. Ocorreram pelo menos duas ações que envolveram tiro
de advertência:
- em 03 de junho de 2009, um avião monomotor que
transportava 176 quilos de pasta base de cocaína foi interceptado por caças da
FAB antes de pousar em uma pista de terra em um distrito de Alta Floresta
D'Oeste (RO) [23];
- em 31 de agosto de 2009, um avião Cessna 206 C,
proveniente de Caiapônia (GO), que transportava 460 quilos de cocaína foi
interceptado por caças da FAB e forçado a pousar em fazenda entre Santo
Antônio de Leverger e Itiquira (MT) [24].
E teria ocorrido pelo menos uma ação com tiro de
destruição: em 29 de outubro de 2009, outro avião monomotor transportava 150
quilos de cocaína e foi interceptado por caças da FAB e forçado a pousar em
uma fazenda em Cristalina (GO) [25]
Visando a evitar essas ações militares, entre a Bolívia e
o Brasil inúmeras ‘mulas’ (pessoas que carregam consigo entorpecentes
principalmente grávidas) passaram a arriscar-se nas estradas fronteiriças em
péssimas condições (as ‘cabriteiras’) desafiando as autoridades
brasileiras ao esconder drogas dentro do organismo, em um retrato chocante feito
pelo douto Manoel Francisco de Campos Neto [26].
4. Aspectos jurídicos da Lei do Abate
O artigo 303 do Código Brasileiro de Aeronáutica mantém
liame com o seguinte dispositivo da mesma codificação:
"Art. 13. Poderá a autoridade aeronáutica deter a aeronave em vôo no espaço aéreo (artigo 18) ou em pouso no território brasileiro (artigos 303 a 311), quando, em caso de flagrante desrespeito às normas de direito aeronáutico (artigos 1° e 12), de tráfego aéreo (artigos 14, 16, § 3°, 17), ou às condições estabelecidas nas respectivas autorizações (artigos 14, §§ 1°, 3° e 4°, 15, §§ 1° e 2°, 19, parágrafo único, 21, 22), coloque em risco a segurança da navegação aérea ou de tráfego aéreo, a ordem pública, a paz interna ou externa."
Em excelente artigo [27], o Professor José
Moaceny Félix Rodrigues Filho, com base nos artigos 13 e 303 do CBA, nas causas
excludentes de antijuridicidade do Código Penal e nos direitos fundamentais,
elabora excelente raciocínio:
"A aeronave considerada hostil é aquela que se encontra em séria situação de ilegalidade diante do Estado, por agredir as normas de navegação aérea e por, deliberadamente, não atender aos imperativos do Poder Público, oriundo da aeronave oficialmente destinada à sua interceptação, portanto, em verdade não concorrem dois interesses justos e legítimos, diversamente, concorrem um interesse justo e um injusto."
"De posse de tal conclusão, seria, portanto, o Estado agindo em legítima defesa própria ou de outrem, já que estaria supostamente presente o injusto atual ou mesmo iminente?"
"Em tese, até poderia ser uma legítima defesa do Estado, no entanto, entendo que, praxeologicamente, articulando a regra posta e o fato constante de seu domínio normativo, também não se trata dessa excludente, pois, tal injusto teria que estar bem caracterizado em forma de agressão, atual ou iminente, que, por si só, já se ensejaria repelir, não sendo necessária a subordinação da conduta a qualquer autorização administrativa para tal fim, conforme peremptoriamente preconiza a legislação em tela."
"Doutra parte, pensar em estrito cumprimento do dever legal seria conceber que a lei, juntamente com sua regulamentação, conferisse diretamente o encargo a ser implementado, no entanto, verifica-se, novamente, o óbice da autorização da alta autoridade administrativa, que, frise-se, não é ordem, mas sim autorização para a destruição da aeronave."
"Assim sendo, a citada autoridade administrativa está a confiar nas informações que lhe chegaram, dando conta do vencimento de todos os procedimentos regulares precedentes à medida extrema, seria como se o dever legal fosse construído pelo próprio agente solicitante da autorização."
"De todo modo, a discricionariedade da autorização, o mérito reservado à máxima autoridade administrativa para tomada da difícil decisão, já traz uma polêmica quanto à aceitação da discriminante em liça, pois, a norma é clara em dizer que se trata de uma autorização e não de uma ordem, o que, neste último caso (ordem), poderiam até estar presentes as balizas demarcadoras da descriminante."
"Desta feita, restou enfim a verificação do exercício regular do direito, causa de exclusão da antijuridicidade e, portanto, do próprio crime, que entendemos compatível à quadratura normativa em destaque."
Essas preciosas linhas à época eram pertinentes, haja vista
que a competência era do Tribunal do Júri. Diante da alteração estabelecida
pela lei federal nº 12.432, de 2011, forçoso faz atualizar esta linha de
raciocínio.
Regulamentando o § 3º do artigo 303 do CBA, o artigo 8º do
decreto nº 5.144, de 2004, determinou a responsabilidade da autoridade
aeronáutica por seus atos com excesso de poder ou espírito emulatório:
"As autoridades responsáveis pelos procedimentos relativos à execução
da medida de destruição responderão, cada qual nos limites de suas
atribuições, pelos seus atos, quando agirem com excesso ou abuso de
poder."
Emulação, segundo Antonio Houaiss [28] é:
"ato ou efeito de emular; sentimento que leva o indivíduo a tentar igualar-se a ou superar outrem; competição, disputa, concorrência (ger. em sentido moralmente sadio, sem sentimentos baixos ou violência); Rubrica: termo jurídico. atitude que, determinada por rivalidade, competição, ciúme, inveja etc., leva alguém a recorrer à justiça em busca de um direito que sabe inexistente"
Por conseguinte, espírito emulatório é aquele em
competição, disputa. Diante da soberania, da impessoalidade, da moralidade e
da supremacia do interesse público sobre o particular, não tem guarida em
causa excludente de antijuridicidade (legítima defesa, estado de necessidade,
estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito) a conduta
daquele que, em busca de fama e reconhecimento de bravura, aja sob este
espírito.
Excesso de poder versa sobre as causas de exclusão da
ilicitude ou justificantes dos artigos 42 a 44, todos do CPM [29] e
não do Código Penal, mas convém destacar os excessos doloso e culposo:
"Excesso culposo"
"Art. 45. O agente que, em qualquer dos casos de exclusão de crime, excede culposamente os limites da necessidade, responde pelo fato, se êste é punível, a título de culpa."
"Excesso escusável"
"Parágrafo único. Não é punível o excesso quando resulta de escusável surprêsa ou perturbação de ânimo, em face da situação."
"Excesso doloso"
"Art. 46. O juiz pode atenuar a pena ainda quando punível o fato por excesso doloso."
Neste âmbito, o ilustre jurisconsulto Álvaro Mayrink da
Costa [30] ensina:
"A legislação no art. 42 do CPM enumera casuisticamente, as causas justificantes (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de um direito), entendendo em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente a direito seu ou de outrem. Se exceder-se negligentemente os limites da necessidade, responde pelo ato, se este é punível, a título de negligência, só deixando de sê-lo, quando resultado de escusável surpresa ou perturbação de ânimo, diante da situação. Todavia, o juiz pode atenuar a pena, ainda, quando punível o ato por excesso doloso."
A respeito do excesso, o jurista José da Silva Loureiro Neto
[31] explica:
"Ocorre o excesso quando o agente, após dar início a seu comportamento em conformidade a uma causa de justificação (por exemplo, estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular de direito), ultrapassa seus limites legais, excedendo-se, portanto, naquele comportamento, tornando-o reprovável."
"O excesso pode ser doloso e culposo."
"Ocorre o primeiro quando o agente quer deliberadamente um resultado além do permitido e do necessário. Exemplificando, o sujeito em legítima defesa, após dominar seu agressor, passa a agredi-lo violentamente. Responderá evidentemente pelas lesões corporais dolosas causadas. Na legislação penal castrense, ao tratar do excesso doloso, faculta ao juiz ‘atenuar a pena ainda quando punível o fato por excesso doloso‘ (art. 46)."
"Ocorre o segundo, o culposo, quando o agente, embora não querendo o resultado, provoca-o por deixar de observar a atenção e cautela a que estava obrigado em face das circunstâncias, e vai além do que era necessário. Responderá, então pelo excesso, se o fato for previsto como crime culposo..."
Abuso de poder é crime tipificado no artigo 350 do Código
Penal, porém atualmente disciplina a matéria a lei federal n. 4.898, de 09 de
dezembro de 1965, da qual os artigos 3º, alíneas "a" e
"i", e 6º, estabelecem como abuso de autoridade qualquer atentado à
liberdade de locomoção e à incolumidade física do indivíduo, imputando
sanções administrativa, civil e penal, aplicadas de forma cumulativa ou
autônoma.
No CPM especificamente nos artigos 400 a 402, constam como
crimes contra a vida em tempo de guerra: o homicídio simples [32]
(art. 400, "caput") e o qualificado (art. 400, III); e genocídio (arts.
401 e 402). Contudo, não se coadunam com os arts. 9º, parágrafo único, e 15,
ambos do CPM, nem estão nos limites da declaração de guerra pelo Presidente
da República e da autorização pelo Congresso Nacional (artigos 49, inciso II,
e 84, inciso XIX, ambos da atual Carta Magna).
Com grande relevo, nos artigos 205 a 208 constam como crimes
contra a vida em tempo de paz: o homicídio simples (art. 205, "caput"),
qualificado (art. 205, § 2º), culposo (art. 206); provocação direta ou
auxílio ao suicídio (art. 207, "caput"); provocação indireta ao
suicídio (art. 207, § 2º); e genocídio (art. 208). O genocídio e as
participações direta e indireta ao suicídio quedam muito improváveis de
ocorrer. Por outro lado, seriam plausíveis o homicídio simples, o qualificado
e o culposo. Nesta seara, o luminar jurista Jorge Cesar de Assis [33]
cita julgado interessante:
"Ementa: Homícidio. Crime militar. Estrito cumprimento do dever legal. Excesso doloso. Configura-se o excesso doloso se o réu, embora no cumprimento do dever legal, comete o crime em circunstâncias que demonstrem, se não o desejo de obter o resultado, pelo menos o risco de assumir o resultado. (TJ/MS – Ap. Crim. 906/84 – Rel. Des. Jesus de Oliveira Sobrinho – Fonte: Banco de Dados da Juruá)"
Não esgotando o assunto, os conceitos de espírito
emulatório, abuso de poder de excesso de poder e a validade da lei nº 12.432,
de 2011, sem adaptação no CPPM, poderão ser objeto de estudo e análise pela
doutrina especializada e pelo Colendo STM e quiçá pelo Excelso Pretório, pois
envolvem o direito à vida, competência do Tribunal do Júri, pena de morte
(artigo 5º da Constituição Cidadã).
5. A esquecida
Sucede que a nova redação do parágrafo único do artigo
9º do CPM limita-se a "ação militar realizada na forma do art. 303 da
Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de
Aeronáutica".
Com espeque no § 1º do artigo 142 da atual Constituição
Federal, que foi regulamentado pelos artigos 16-A e 17, inciso V, e parágrafo
único, da lei complementar federal nº 97, de 09 de junho de 1999, com a
redação dada pela lei complementar federal nº 117, de 2 de setembro de 2004,
ressalta-se a seguinte atribuição da Marinha do Brasil:
"Art. 17. Cabe à Marinha, como atribuições subsidiárias particulares:"
(...)
"V – cooperar com os órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional ou internacional, quanto ao uso do mar, águas interiores e de áreas portuárias, na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução."
"Parágrafo único. Pela especificidade dessas atribuições, é da competência do Comandante da Marinha o trato dos assuntos dispostos neste artigo, ficando designado como "Autoridade Marítima", para esse fim."
Criada pela lei nº 2419, de 10 de fevereiro de 1955, para a
defesa da fauna marítima, da flora aquática e para fiscalizar a pesca no
litoral brasileiro, além de colaborar nos serviços de repressão a
contrabandistas e do narcotráfico e auxiliar no socorro marítimo, prestando
serviços também de assistência aos habitantes das zonas litorâneas, a
Patrulha Costeira passou a denominar-se a Patrulha Naval (artigo 1º, "caput",
do decreto federal nº 5.129, de 6 de julho de 2004). Publicado no dia seguinte,
passou a viger desde então (artigo 8º).
O Ministério da Defesa, por intermédio do Comando da
Marinha, deverá editar procedimentos complementares ao cumprimento deste
decreto (art. 7º). E para estabelecer os níveis de segurança de navios e
portos foi instituído, no decreto federal nº 6869, de 4 de junho de 2009, a
Rede de Alarme e Controle dos Níveis de Proteção de Navios e Portos (RACNP),
com adoção de medidas permanentes de proteção pessoal e material.
Subordinada ao Comando da Marinha, sua finalidade é a
"de implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, em
águas jurisdicionais brasileiras, na Plataforma Continental brasileira e no
alto-mar, respeitados os tratados, convenções e atos internacionais
ratificados pelo Brasil" (art. 1º, parágrafo único). Entre estes,
destaca-se a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar ou
Convenção de Montego Bay [34] (1982), cujos artigos 17 a 26, 45, 52
a 54 tratam da passagem inofensiva [35], cujo artigo 27 estabelece a
jurisdição penal a bordo de navio estrangeiro em mar territorial e zona
contígua [36] e cujo artigo 108 trata da repressão internacional ao
tráfico ilícito de entupefacientes e de substâncias psicotrópicas em alto
mar. Posteriormente, foi aprovada a lei federal nº 8.617, de 4 de janeiro de
1993, que em artigo 3º institui a passagem inocente [37], correlata
à passagem inofensiva.
Voltando ao decreto federal nº 5.129, de 2004, as
embarcações estrangeiras em atividades não autorizadas nas águas
jurisdicionais brasileiras serão apresadas e encaminhadas pelo Comando da
Marinha às autoridades competentes. Quanto ao caso de navios de guerra ou de
estado estrangeiros, em atividades não autorizadas, poderá o Comando da
Marinha determinar a interrupção das citadas atividades e determinar a sua
retirada de águas jurisdicionais brasileiras (art. 2º).
Sob a Marinha do Brasil (MB), a Patrulha Naval será
realizada empregando-se meios navais, conceituados como aqueles que: possuem
comandante legalmente designado por autoridade constituída e tripulação
submetida às regras da disciplina militar; dispõem de armamento fixo em seus
conveses; e ostentem sinais exteriores próprios de navios, embarcações e
aeronaves pertencentes à Marinha do Brasil. Aliás, a Patrulha Naval poderá
utilizar embarcações e aeronaves orgânicas em apoio às suas atividades (art.
3º).
O meio empregado em Patrulha Naval, ao se aproximar de navios
ou embarcações para realizar inspeção, deverá ostentar a Bandeira Nacional
e as insígnias e tê-las iluminadas, se à noite, transmitindo a ordem de
"parar", disseminada por meio de sinais de rádio, visuais e
auditivos, nas distâncias compatíveis. Na hipótese de não-atendimento da
ordem de "parar", a Patrulha Naval deverá disparar um tiro de
advertência, utilizando exclusivamente o armamento fixo de bordo. Se
necessário, deverá disparar um segundo tiro de advertência, devendo
manter-se, durante o intervalo, os sinais de rádio, visuais e auditivos. Tiro
de advertência, neste contexto, é aquele efetuado com o propósito de chamar a
atenção do navio ou embarcação, demonstrando força, mas sem a intenção de
acertar ou causar danos, sendo que os disparos não indicam o uso da força, mas
a disposição iminente de empregá-la (art. 4º, "caput" e §§ 1º,
2º e 4º).
Semelhante ao tiro de abate ou de destruição das ações
militares da FAB, a autoridade da MB (art. 4º, § 3º), persistindo a recusa da
embarcação em parar, poderá efetuar tiros diretos, com o armamento fixo,
sobre o navio ou embarcação infratora, até que a ordem seja atendida,
observando os seguintes limites:
- o uso da força, com emprego do armamento, deverá ser
limitado ao mínimo necessário para alcançar o resultado desejado;
- os tiros diretos deverão ser executados com projetis de
carga não explosiva, em cadência lenta ou em sucessão de rajadas espaçadas;
e
- poderão ser utilizados projetis com carga explosiva nos
casos em que o infrator responder ao fogo ou encetar qualquer manobra que
coloque em risco o meio naval em patrulha, suas embarcações ou aeronaves
orgânicas, ou a sua tripulação.
Distinguindo do tiro de abate ou de destruição das ações
militares da FAB, a autoridade da MB pode ser o Comandante da Marinha. Se o for
(ostentando a patente de oficial-general pelo art. 5º, "caput", da
lei complementar federal nº 97, de 1999), o foro especial será o Colendo STM
(artigo 6º, inciso I, alínea "a", da lei federal nº 8.457, de
1992). Se envolver apenas os demais oficiais, serão julgados em Conselho
Especial de Justiça; caso só haja praça, serão julgados em Conselho
Permanente de Justiça (artigo 27 da lei federal nº 8.457, de 1992).
A abordagem para visita e inspeção será efetivada por um
grupo de visita e inspeção, composto por militares previamente designados pelo
comandante. Os componentes deste grupo deverão portar armamento portátil,
pertencente à dotação do Comando da Marinha. O emprego deste armamento
portátil pelos componentes do grupo de visita e inspeção fica condicionado
às situações em que atos hostis os exponham a risco de morte ou lesão
corporal (art. 5º), além de estar acobertado pela legítima defesa (arts. 42,
II, e 44, ambos do CPM).
Além disso, o grupo de visita e inspeção poderá ser
integrado por representantes de órgão federal ou estadual, não sendo composto
por militares previamente designados pelo comandante, nem deverão portar
armamento portátil, pertencente à dotação do Comando da Marinha. Estes
representantes dos órgãos federais ou estaduais, integrados ao grupo de visita
e inspeção, atuarão dentro de suas competências legais (art. 6º).
Na prática, embarcações estrangeiras e nacionais eram
apresadas por pesca irregular, documentos incorretos, pessoal sem
qualificação, entre outros motivos.
Em 2003, começou a ser debatido a importância estratégica
e econômica da defesa da costa marítima brasileira, com a atuação da Marinha
do Brasil na área com extensão de mais de 4,5 milhões de km2,
composta da Zona Econômica Exclusiva e da Plataforma Continental em mais de
8.000 km de costas, existem imensas riquezas, como a camada do pré-sal. Nesta
região, a Marinha do Brasil vem coibindo a atuação pessoas ou grupos que se
dediquem a atividades criminosas ou que ameacem a segurança nacional, como:
piratas, traficantes de armas e de drogas, assim como pesqueiros em atividade ou
situação irregular, e principalmente, o resgate de tripulações de navios
acidentados ou afundados. Para a função de patrulha oceânica a MB passou a
contar com 16 unidades de Navio Patrulha (NPa), quatro da classe Bracuí (ex-Marinha
Britânica classe River) no 5º Distrito Naval, baseados em Rio Grande do Sul, e
doze, da Classe Grajaú, operando a partir de Belém, Natal, Salvador e Rio de
Janeiro. E desde meados de julho de 2011 são desenvolvidos os cascos dos
submarinos nucleares brasileiros com a tecnologia francesa (Scopène).
Finalizando, uma vez que a lei federal nº 12.432, de 2011,
não mencionou expressamente as ações militares da Patrulha Naval, queda
difícil interpretar que eventuais crimes dolosos contra a vidas de civil possam
ser apreciados e julgados pela Justiça Militar, embora os Colendos STJ e STM e
o Excelso STF possam julgá-la aplicável a essas ações.
6. Conclusão
Resumindo, a lei federal n. 12.432, de 29 de junho de 2011,
altera a redação do parágrafo único do artigo 9º do Código Penal Militar
(crimes militares em tempo de paz) e não, o artigo 82 do Código de Processo
Penal Militar. Busca trazer à Justiça Militar da União a competência para
apreciar e julgar crimes dolosos contra a vida em ações militares baseadas na
Lei do Abate ou do Tiro de Destruição (lei federal n. 9.614, de 1998),
regulamentada pelo decreto federal n. 5.144, de 16 de julho de 2004. São
ações da Aeronáutica que visam a coibir o tráfico de drogas por meio de
aeronaves, principalmente na Amazônia.
Foi autorizada a situação em que crimes militares dolosos
contra a vida e cometidos contra civil no contexto de ação militar realizada
na forma do art. 303 da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código
Brasileiro de Aeronáutica são da competência da Justiça Militar (da União),
como os homicídios doloso e o culposo de traficante de drogas (artigos 205 e
206, ambos do CPM). Trata-se de ressalva à regra anterior segundo a qual crimes
militares dolosos contra a vida e cometidos contra civil: competência da
Justiça Comum (Tribunal do Júri), por exemplo, homicídio (artigo 121 do
Código Penal).
Não desejando esgotar o assunto, os conceitos de espírito
emulatório, abuso de poder de excesso de poder e a validade da lei nº 12.432,
de 2011, sem adaptação no CPPM, poderão ser objeto de estudo e análise pela
doutrina jusmilitar, pelo Colendo STM e pelo Excelso STF, ao ventilar questões
como o direito à vida, competência do Tribunal do Júri, pena de morte (artigo
5º da Constituição Cidadã).
Olvidada pelo legislador a Patrulha Naval, regulamentada pelo
decreto federal n. 5.129, de 6 de julho de 2004, possui ações militares como
os tiros diretos (artigo 4º, § 3º), semelhantes ao tiro de destruição.
Contudo, é difícil interpretar a lei nº 12.432, de 2011, trazendo à Justiça
Militar a apreciação e julgamento dessas ações militares, apesar de os
Colendos STJ e STM e o Excelso STF poderem julgá-la aplicável a essas ações.